Os defuntos andem aí (2)
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A propósito de defuntos e de humor, se há coisa que os não daltónicos (estes e mais 14 milhões espalhados pelo mundo, mais coisa menos coisa) podem invejar a alguns daltónicos é a oportunidade de escrever maravilhas como as citadas ci-dessous. Esta oportunidade provém de um talento para a escrita que escapa a noventa e nove vírgula nove por cento das pessoas e de um saudável sentido de humor, mas também, estou em crer, de uma infeliz condição que escapa por estes dias felizes a cem por cento dos não daltónicos.
O Tonel é um central esforçado mas tem dificuldade em distinguir a bola de outros objectos - e mesmo de partes esferoides da anatomia dos adversários -, de maneira que tem passado cerca de setenta e cinco por cento da sua actividade futebolística a perguntar-se "por que caralho é que ando quase sempre a jogar com ligaduras na cabeça?"
Jesualdo acena que não, move o pescoço (um dia apanhará os tiques do Izmailov, com a desvantagem de não marcar golos).
Por outro lado, uma combinação de ausência completa de sentido de humor e razoável talento para a escrita também pode dar bons resultados do ponto de vista humorístico, embora neste caso nem todos riam, e quando o puto que caiu começa a chorar a coisa perde alguma piada.
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A propósito de defuntos e de humor, se há coisa que os não daltónicos (estes e mais 14 milhões espalhados pelo mundo, mais coisa menos coisa) podem invejar a alguns daltónicos é a oportunidade de escrever maravilhas como as citadas ci-dessous. Esta oportunidade provém de um talento para a escrita que escapa a noventa e nove vírgula nove por cento das pessoas e de um saudável sentido de humor, mas também, estou em crer, de uma infeliz condição que escapa por estes dias felizes a cem por cento dos não daltónicos.
O Tonel é um central esforçado mas tem dificuldade em distinguir a bola de outros objectos - e mesmo de partes esferoides da anatomia dos adversários -, de maneira que tem passado cerca de setenta e cinco por cento da sua actividade futebolística a perguntar-se "por que caralho é que ando quase sempre a jogar com ligaduras na cabeça?"
Jesualdo acena que não, move o pescoço (um dia apanhará os tiques do Izmailov, com a desvantagem de não marcar golos).
Por outro lado, uma combinação de ausência completa de sentido de humor e razoável talento para a escrita também pode dar bons resultados do ponto de vista humorístico, embora neste caso nem todos riam, e quando o puto que caiu começa a chorar a coisa perde alguma piada.
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Os defuntos andem aí
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Who Robbed the Pantry?! A Meditation on Voltas, Laziness, and Indie Rock’s Complicated Sense of Humor
Li este texto há uns anos na defunta Stylus Magazine, e devo ter-lhe achado alguma graça porque me lembrei de ir lê-lo outra vez. Deixo aqui uns excertos:
Aside from having essentially nothing to do with music, debating whether a band is serious (or not) foregrounds the slippery issue of intention. I don’t know my intentions half the time. Intention, so far as it’s relevant at all, reveals itself in action. Forgive the armchair philosophy, but making critical endorsement contingent upon whether or not a band is “serious” presumes a certain sixth sense—the ability to read minds. More importantly, it draws rigid borders around the listening experience by installing an incalculable essence (i.e. seriousness) as a core value.
Borders, if you haven't heard, facilitate lazy listening habits. The Serious Question helps its askers avoid lots of other, trickier questions—questions that cramp styles, throw wrenches, and generally make rocking out a more complicated endeavor. (...)
If you deny music’s capacity for humor, you might as well tell pain and sadness to fuck off, too. Why don’t you make a list? Top 10 Feelings It’s OK for Music to Express. Of course no one with half a brain would actually question music’s right to be funny. But there’s more at stake still. I think music that lets in humor can achieve higher highs, bluer blues, and broader expressive extremes all around than music that doesn’t.
Sam Ubl
É a minha opinião (ou o meu gosto) sobre a música, se calhar sobre muitas coisas mais, mas tal como o Einstein tenho pouca vontade de generalizar uma grande descoberta (neste caso uma grande descoberta de outra pessoa). O humor na música faz-me falta, o humor em sentido lato, o humor como capacidade de não se levar a si próprio demasiado a sério, não necessariamente no sentido gargalhada. E paradoxalmente, ou não, faz-me falta sobretudo quando se trata de bluer blues:
I killed a party again
I ruined it for my friends
Well you're so silent, Jens
Well maybe I am, maybe I am
Black cab, Jens Lekman
I used to be carried in the arms of cheerleaders
Mr. November, The National
I was up all night again, boning up and reading the American dictionary
you'll never believe me what I found
Brainy, The National
E com este poeta enchia páginas.
More importantly, it draws rigid borders around the listening experience by installing an incalculable essence (i.e. seriousness) as a core value.
Esta frase faz-me lembrar isto. E também me faz pensar nisso de, a propósito da música e a propósito de outras coisas, criarmos na nossa cabeça uma "essência" de fronteiras mais ou menos rígidas. Como fronteiras que são (mais Tijuana que Valença do Minho), contêm alguma coisa (pessoas "sérias" ou pessoas que fazem "verdadeira arte", por exemplo) e deixam alguma coisa de fora. Revejo essas fronteiras frequentemente, desloco-as de vez em quando, mudo o conteúdo. E se muitas vezes isso decorre de um esforço de pôr ordem nos meus pensamentos e de tentar perceber onde está o "bem" ou a "razão", não creio que o faça sempre da forma mais desinteressada (nem podia) e tolerante. Às vezes é mesmo preguiça, como tentar que novas experiências não alterem preconceitos antigos e não me obriguem a pensar, outras vezes será porventura algo pior. A verdade com "V" é uma coisa estranha e que serve de instrumento de exclusão com a maior das facilidades (a verdade do Evangelho é inclusiva, mas é outro tipo de verdade, não é a verdade dos factos mas também não pretende ser, nem é preconceito mascarado de autoridade moral). Os bons e os maus só são fáceis de distinguir nos filme de cowboys e no MacGyver, e todos os maiores de sete sabem que tanto uns como o outro são um pouco irrealistas.
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Li este texto há uns anos na defunta Stylus Magazine, e devo ter-lhe achado alguma graça porque me lembrei de ir lê-lo outra vez. Deixo aqui uns excertos:
Aside from having essentially nothing to do with music, debating whether a band is serious (or not) foregrounds the slippery issue of intention. I don’t know my intentions half the time. Intention, so far as it’s relevant at all, reveals itself in action. Forgive the armchair philosophy, but making critical endorsement contingent upon whether or not a band is “serious” presumes a certain sixth sense—the ability to read minds. More importantly, it draws rigid borders around the listening experience by installing an incalculable essence (i.e. seriousness) as a core value.
Borders, if you haven't heard, facilitate lazy listening habits. The Serious Question helps its askers avoid lots of other, trickier questions—questions that cramp styles, throw wrenches, and generally make rocking out a more complicated endeavor. (...)
If you deny music’s capacity for humor, you might as well tell pain and sadness to fuck off, too. Why don’t you make a list? Top 10 Feelings It’s OK for Music to Express. Of course no one with half a brain would actually question music’s right to be funny. But there’s more at stake still. I think music that lets in humor can achieve higher highs, bluer blues, and broader expressive extremes all around than music that doesn’t.
Sam Ubl
É a minha opinião (ou o meu gosto) sobre a música, se calhar sobre muitas coisas mais, mas tal como o Einstein tenho pouca vontade de generalizar uma grande descoberta (neste caso uma grande descoberta de outra pessoa). O humor na música faz-me falta, o humor em sentido lato, o humor como capacidade de não se levar a si próprio demasiado a sério, não necessariamente no sentido gargalhada. E paradoxalmente, ou não, faz-me falta sobretudo quando se trata de bluer blues:
I killed a party again
I ruined it for my friends
Well you're so silent, Jens
Well maybe I am, maybe I am
Black cab, Jens Lekman
I used to be carried in the arms of cheerleaders
Mr. November, The National
I was up all night again, boning up and reading the American dictionary
you'll never believe me what I found
Brainy, The National
E com este poeta enchia páginas.
More importantly, it draws rigid borders around the listening experience by installing an incalculable essence (i.e. seriousness) as a core value.
Esta frase faz-me lembrar isto. E também me faz pensar nisso de, a propósito da música e a propósito de outras coisas, criarmos na nossa cabeça uma "essência" de fronteiras mais ou menos rígidas. Como fronteiras que são (mais Tijuana que Valença do Minho), contêm alguma coisa (pessoas "sérias" ou pessoas que fazem "verdadeira arte", por exemplo) e deixam alguma coisa de fora. Revejo essas fronteiras frequentemente, desloco-as de vez em quando, mudo o conteúdo. E se muitas vezes isso decorre de um esforço de pôr ordem nos meus pensamentos e de tentar perceber onde está o "bem" ou a "razão", não creio que o faça sempre da forma mais desinteressada (nem podia) e tolerante. Às vezes é mesmo preguiça, como tentar que novas experiências não alterem preconceitos antigos e não me obriguem a pensar, outras vezes será porventura algo pior. A verdade com "V" é uma coisa estranha e que serve de instrumento de exclusão com a maior das facilidades (a verdade do Evangelho é inclusiva, mas é outro tipo de verdade, não é a verdade dos factos mas também não pretende ser, nem é preconceito mascarado de autoridade moral). Os bons e os maus só são fáceis de distinguir nos filme de cowboys e no MacGyver, e todos os maiores de sete sabem que tanto uns como o outro são um pouco irrealistas.
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Humilhação e Justiça (2)
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O que mais me emerda nem é a banalização do uso de certas palavras relativamente fortes, mas sim a evidente inversão de alguns conceitos que dela decorre. Como se a responsabilidade da humilhação fosse do humilhado. Como se fosse possível alguém deixar-se humilhar (como quem se deixa golear por inépcia, azar ou desleixo). Como se gozar com quem joga e perde, o que é no máximo deselegante, fosse de alguma forma equiparável a uma celebração da humilhação. Como se celebrar a humilhação fosse no máximo deselegante.
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O que mais me emerda nem é a banalização do uso de certas palavras relativamente fortes, mas sim a evidente inversão de alguns conceitos que dela decorre. Como se a responsabilidade da humilhação fosse do humilhado. Como se fosse possível alguém deixar-se humilhar (como quem se deixa golear por inépcia, azar ou desleixo). Como se gozar com quem joga e perde, o que é no máximo deselegante, fosse de alguma forma equiparável a uma celebração da humilhação. Como se celebrar a humilhação fosse no máximo deselegante.
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Humilhação e Justiça
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Fui humilhado um sem número de vezes na secundária que frequentei. Seis anos de humilhação e nem uma medalha de ouro no desporto rei (só no basket). Se há gente de barba rija que leva três e sai humilhada, imagine-se o que acontece a um puto do 9ºC quando perdemos 10-1 ou lá o que foi contra os craques do 10º qualquer coisa e 11-2 ou assim contra os craques maiores de 16 do 9ºD. Se calhar é por isso que tenho medo das alturas.
E fui vítima das maiores injustiças de cada vez que um tipo da minha equipa falhava de baliza aberta ou de cada vez que o redes metia água (tanta vez), e logo quando o resto da malta estava a jogar tão bem. Chegava a casa e chorava para os meus pais: "é injusto...". E para compensar ia bater no meus irmãos, vítimas indirectas da humilhação e da injustiça da bola.
O futebol, tamanha causa de injustiça e humilhação, devia ser proibido, e o plantel do Glorioso, essa corja de humilhadores (excepto o Peixoto), devia ir para a choldra acompanhado do seu Mister. No futebol a banalização do mal é evidente, posto que até os verdocas se prestam a humilhar os seus adversários de vez em quando (raramente). Pior ainda, anos volvidos, as coisas não mudaram, as crianças continuam a sofrer. Alguém tem de fazer alguma coisa.
Há coisas interessantes na linguagem da bola, o trinco que "bascula" (passar a bola para o lado), o extremo que "controla o esférico" (dominar a bola), o treinador que "dá indicações para dentro das quatro linhas" (mandar vir com um jogador), alguém que diz na flash interview que "estivemos irrepreensíveis no plano técnico-táctico" (esta ainda não percebi), por exemplo. Não há necessidade de brincar com palavras (coisas) sérias. Essas palavras seriam mais bem usadas se fossem usadas para falar da praxe ou assim.
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Fui humilhado um sem número de vezes na secundária que frequentei. Seis anos de humilhação e nem uma medalha de ouro no desporto rei (só no basket). Se há gente de barba rija que leva três e sai humilhada, imagine-se o que acontece a um puto do 9ºC quando perdemos 10-1 ou lá o que foi contra os craques do 10º qualquer coisa e 11-2 ou assim contra os craques maiores de 16 do 9ºD. Se calhar é por isso que tenho medo das alturas.
E fui vítima das maiores injustiças de cada vez que um tipo da minha equipa falhava de baliza aberta ou de cada vez que o redes metia água (tanta vez), e logo quando o resto da malta estava a jogar tão bem. Chegava a casa e chorava para os meus pais: "é injusto...". E para compensar ia bater no meus irmãos, vítimas indirectas da humilhação e da injustiça da bola.
O futebol, tamanha causa de injustiça e humilhação, devia ser proibido, e o plantel do Glorioso, essa corja de humilhadores (excepto o Peixoto), devia ir para a choldra acompanhado do seu Mister. No futebol a banalização do mal é evidente, posto que até os verdocas se prestam a humilhar os seus adversários de vez em quando (raramente). Pior ainda, anos volvidos, as coisas não mudaram, as crianças continuam a sofrer. Alguém tem de fazer alguma coisa.
Há coisas interessantes na linguagem da bola, o trinco que "bascula" (passar a bola para o lado), o extremo que "controla o esférico" (dominar a bola), o treinador que "dá indicações para dentro das quatro linhas" (mandar vir com um jogador), alguém que diz na flash interview que "estivemos irrepreensíveis no plano técnico-táctico" (esta ainda não percebi), por exemplo. Não há necessidade de brincar com palavras (coisas) sérias. Essas palavras seriam mais bem usadas se fossem usadas para falar da praxe ou assim.
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Aqui chez nous andamos a ver The Wire, que é uma coisa muito boa mas que não é uma coisa muito boa para adormecer
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