Sou da geração ronalda



Antes de mais, faz-se mister (esta expressão está por todo o lado no CCB, pelo menos na queda de um anjo, do amor de perdição não me lembro e quanto aos outros (sim, isto do azul bebé já foi pior) parto do princípio que não existem) admitir que não sei do que escrevo. Por isso, se quiserem escrever que não sei do que falo, escrevam, e até podem escrever que eu sou um piii e rematar com ficaste mal, que eu fico-me, se bem que menos mal do que porventura imaginais, uma vez que sou da geração transformers (dos desenhos animados) e não da geração Faísca McQueen.

Isto vai por pontos, que é uma forma de eu descobrir se é fácil chegar aos oito antes de ir pro bwin jogar com o coração:

1. Começando pelo ponto mais importante (o que custa mais é o primeiro rapazes, isto é como dar 8 ao Liechtenstein), fico contente (feliz fazem-me outras coisas menos importantes para o mundo) por ver que uma banda pop cujos membros
provavelmente acedem a financiamento junto da banca com mais facilidade do que a maioria (isto é importante, vêm aí as eleições) decidiu escrever uma canção de transparente protesto contra um aspecto da sociedade e economia portuguesas que, do meu ponto de vista, vai muito mal, e assim vai para mal de todos em geral e de muitos em particular (para poder particularizar mais e melhor do que isto teria que perguntar a quem sabe do que escrevo). Acredito que o impacto positivo do aparecimento desta canção ultrapassa positivamente o impacto negativo das razões para os queixumes que meti aí para baixo, a partir do ponto 3.

2. Este ponto não tem importância nenhuma. O meu contentamento é amplificado pelo apreço que tenho pela Deolinda, de cuja música tenho gostado, nalguns casos muito.

3. Este ponto não tem importância nenhuma. Entristece-me que uma banda que já escreveu e cantou coisas tão bonitas decida mandar cá para fora uma canção cuja música é desinteressante e a letra é de quarta classe. Não imagino como é que é possível escrever uma música em condições, aliás estou em crer que tudo aquilo que aprecio na arte é aquilo que não sei nem imagino como se faz*,
mas acho que alguém que já escreveu letras mais do que decentes pode escrever letras decentes com um pouco de esforço.
*
Gosto desta hipótese porque ela não é desmentida pelo facto de ter achado que O Discurso do Rei não é mais do que uma coisa bem feita e representada, e não arte, nem tampouco pelo facto de (ainda) não gostar de jazz (preconceito), que me soa sempre a um amontoado de notas encadeadas mais ou menos à sorte, amontoado que imagino como, havendo talento, se pode fazer - nem sempre aquilo a que chamam jazz me soa assim, mas quando um pedaço de jazz me soa a mais do que isto, já antes o pedaço de jazz me começou a soar a música pop com saxofones.

4. Seria idiota tomar as palavras da Deolinda por um artigo de opinião de página inteira no jornal ou numa revista de referência. Mais difícil é ignorar o facto de estar perante uma coisa que não procurarei ouvir por prazer muitas vezes no futuro
(ponto 3) - se eu gosto de ouvir isto e isto não é por solidariedade com as gerações passadas. Posto isto, acho que esta é uma má canção de protesto (o que não me impede de achar muito bom que haja uma canção de protesto sobre estas coisas (ponto 1)), ou uma boa canção para um mau protesto. Isto porque perante um problema que creio transversal, a exploração dos jovens e o acesso ao trabalho digno e remunerado (isto se calhar é mais do que geracional, mas é sobretudo esta geração que sofre), a canção protesta contra a exploração dos licenciados. Ora nem esta geração é feita de licenciados, nem estes sofrem mais do que os outros. Aliás, na pior das hipóteses estaríamos perante uma situação de igualdade (e não estamos), porque a diferença entre os licenciados e os não licenciados é uma coisa que os licenciados têm, e não o contrário. No entanto, não é o esquecimento de uma parte dos explorados que me impede de achar que isto não serve para protescantar, mas sim o facto de a parte esquecida ser, essa sim, a mais desfavorecida. As pessoas desta geração que passaram pela universidade durante os últimos dez anos viveram e vivem em geral melhor do que as que não passaram. Aliás a Deolinda, que não é estúpida, reconhece, e creio que voluntariamente, que esta também é uma questão de expectativas (se já tenho tudo, pra que querer mais?), o que é compreensível - ninguém pensa em descer quando ouve falar em mobilidade social. A Deolinda canta que ainda lhe falta pagar o carro. A Deolinda é da geração explorada, mas também é da geração em que mais gente ia e vai para a universidade ao volante de um carro que não pagou. Os que não foram nem vão para a universidade andaram ou andam menos ao volante de carros que não pagaram (eu apostava no bwin em quem é que anda mais ao volante de carros pagos seja por quem for, e não era com o coração), e imagino que não vão muito à bola com esta canção. Eu não iria.

5. Sobre este assunto, recomendo a leitura deste texto.

6. Às vezes pergunto-me se a semelhança formal entre o caloiro que é praxado e alguns anos depois praxa e o jovem que é explorado na esperança de mais tarde poder passar para o lado bom da coisa é puramente formal (aquilo que me chateia é o acto de explorar e o acto de praxar - os mais fracos, mesmo os apenas circunstancialmente fracos, não precisam de dedos acusadores). Depois inclino-me ainda mais para o meu lado anti-praxe e tenho medo de cair. Não é só a sueca que se aprende nas faculdades. A culpa não é das faculdades, mas a solução poderia passar por elas.

7. Do CCB gosto da vista / da Gulbenkian do jardim. O CCB não acharia graça nenhuma à Deolinda.

8. Xau.


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