"Foram juntos outro dia, como por magia, no autocarro, em pé"*


Filipe IV, por Diego Velázquez

Depois de ter ouvido cada uma destas duas canções youtubadas aqui em baixo tótil vezes, acho que sei porque razão são daquelas canções que me fazem desejar que o autocarro ande mais devagar - para que não chegue a paragem em que saio - para que nem a tarefa mais simples (como levantar o cagueiro do banco ou desviar os olhos da janela) não roube algumas ppm dos meus neurónios - para que estes se ocupem em grande número cruzando ondas sonoras com memórias ou desejos ou coisas do subconsciente de forma a obter uma agradável resultante de contemplação e emoção (não sei se é assim que estas coisas funcionam). Em ambos os casos, é a voz que carrega a melodia, por isso, e porque não sou novo nestas andanças de gostar muito de ouvir canções, foi fácil concluir que o mistério está também ou sobretudo nas palavras (não está sempre, até gosto de uma música cujo refrão começa por "go downtown put the drugs in my body").



I never knew I was a lover,
Just cause I steal the things you hide,
Just cause I focus while we're dancing,
Just cause I offered you a ride.

King of Spain,
The Tallest Man on Earth

Nesta aqui, as palavras ambíguas informam-nos de que o pretendente ao trono não se quer libertar de coisa nenhuma, e que o aparente sarcasmo do refrão (uma espécie de se consegues fazer x eu sou o Papa) não passa de bluff (se fosse sarcasmo para quê fantasiar?). Quando canta I never knew I was a lover, o homem não está a ser sarcástico porque, logo a seguir, canta just cause I focus while we're dancing, e deixa claro que as palavras que se seguem são sobre o que sabe agora e não sobre o que não sabia, o que pode ser o mesmo mas não é as mesma coisa (não falamos de funções de estado). Isto são os meus ouvidos, concedo, e para os meus ouvidos a outra grande canção deste cantautor (quem inventou esta palavra divertia-se) é uma que descreve homicídios cometidos so I could stay the king you see, e que acaba com now we're dancing through the garden, talvez onde começa a do rei de Espanha.



Seis da tarde
Como era de se esperar
Ela pega
E me espera no portão
Diz que está muito louca
Prá beijar
E me beija com a boca
De paixão...

Cotidiano,
Chico Buarque


E nesta aqui o narrador descreve um cotidiano de beijos pontuais e apavorados, tão importante e absorvente que o faz maldizer a
vida prá levar. É fixe que palavras aparentemente tão prosaicas, e como que resignadas, sejam tão doces.

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