"Foram juntos outro dia, como por magia, no autocarro, em pé"*
Depois de ter ouvido cada uma destas duas canções youtubadas aqui em baixo tótil vezes, acho que sei porque razão são daquelas canções que me fazem desejar que o autocarro ande mais devagar - para que não chegue a paragem em que saio - para que nem a tarefa mais simples (como levantar o cagueiro do banco ou desviar os olhos da janela) não roube algumas ppm dos meus neurónios - para que estes se ocupem em grande número cruzando ondas sonoras com memórias ou desejos ou coisas do subconsciente de forma a obter uma agradável resultante de contemplação e emoção (não sei se é assim que estas coisas funcionam). Em ambos os casos, é a voz que carrega a melodia, por isso, e porque não sou novo nestas andanças de gostar muito de ouvir canções, foi fácil concluir que o mistério está também ou sobretudo nas palavras (não está sempre, até gosto de uma música cujo refrão começa por "go downtown put the drugs in my body").
I never knew I was a lover,
Just cause I steal the things you hide,
Just cause I focus while we're dancing,
Just cause I offered you a ride.
King of Spain, The Tallest Man on Earth
Nesta aqui, as palavras ambíguas informam-nos de que o pretendente ao trono não se quer libertar de coisa nenhuma, e que o aparente sarcasmo do refrão (uma espécie de se consegues fazer x eu sou o Papa) não passa de bluff (se fosse sarcasmo para quê fantasiar?). Quando canta I never knew I was a lover, o homem não está a ser sarcástico porque, logo a seguir, canta just cause I focus while we're dancing, e deixa claro que as palavras que se seguem são sobre o que sabe agora e não sobre o que não sabia, o que pode ser o mesmo mas não é as mesma coisa (não falamos de funções de estado). Isto são os meus ouvidos, concedo, e para os meus ouvidos a outra grande canção deste cantautor (quem inventou esta palavra divertia-se) é uma que descreve homicídios cometidos so I could stay the king you see, e que acaba com now we're dancing through the garden, talvez onde começa a do rei de Espanha.
Seis da tarde
Como era de se esperar
Ela pega
E me espera no portão
Diz que está muito louca
Prá beijar
E me beija com a boca
De paixão...
Cotidiano, Chico Buarque
E nesta aqui o narrador descreve um cotidiano de beijos pontuais e apavorados, tão importante e absorvente que o faz maldizer a vida prá levar. É fixe que palavras aparentemente tão prosaicas, e como que resignadas, sejam tão doces.
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